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Ganância não é mais defeito: virou qualidade. Desde que você não a chame de "ganância"

Por Marcelo Pereira

Toda vez que eu ouço coisas desagradáveis sobre o Capitalismo e as crises e problemas resultantes, nunca ouço análises que sejam capazes de responsabilizar a ganância típica desse sistema pelos erros consequentes. Fica a impressão que para todos, o problema da ganância é subjetivo, algo que deve ser ignorado em análises mais técnicas e objetivas. 

Um erro, pois sabemos muito bem que a ganância não somente é a origem de grande parte dos erros capitalistas como também a base que sustenta este sistema. Não dá para ser capitalista sem ser ganancioso. Isso é fato. Se deixar de ser ganancioso, deixa de ser capitalista para ser o que o genial ex-chanceler Celso Amorim classifica como "socialismo democrata". Mas ser socialista em um mundo individualista pega muito mal, não é?

Não é coincidência que o crescimento dos ideais direitistas ocorra simultaneamente com o aumento do sentimento de individualismo na maioria das pessoas. Passar a perna no outro deixou de ser visto como algo errado e isso explica porque um certo sadismo passou a ser tolerado pela sociedade atual.

É uma interpretação errada do Darwinismo adaptado para assuntos sócio-econômicos. A lei do mais forte passou a ser mais importante do que as outras leis e ser "do bem" significa estar do lado dos mais fortes, apoiá-los (??!!) e seguir as suas orientações. Se os fracos caem, é porque querem cair ou mereçam cair. 

Para quem pensa assim, a dignidade mínima virou um troféu exclusivo para quem é mais forte. Para que uma pessoa viva com dignidade, ou se esforça (seguindo as regras impostas pelos mais fortes) para se transformar em um "forte" ou assume a derrota e desista da dignidade. 

Boa parte dos manuais que ensina as pessoas a vencerem na vida se baseiam nesta tese. É desta forma que pensam os direitistas, se esquecendo que eles mesmos recebem ajuda facilitada de que quer que seja. Ninguém vence sozinho, sem ajuda. A meritocracia é uma tese absurda, uma utopia impossível de aceitar, visto a complexidade da trajetória que faz uma pessoa subir na vida.

Mas para uma sociedade individualista, não é errado "esticar a perna para outro cair". A ganância, a ânsia de ter mais do que os outros, já não é vista hoje como um defeito. Para muitos não passa de uma "justa" vontade de vencer na vida e conquistar "o que lhe pertence".

Óbvio que a ganância rendeu um estigma negativo e mesmo para os defensores, admiti-la publicamente rende uma reputação negativa. É preciso escolher outros nomes para denominá-la. É cacoete comum de capitalistas colocar nomes bonitos para as coisas feias que praticam.

Portanto chame a ganância de "força de vontade", "luta pela sobrevivência", "garra", "decisão", "ambição" e outras belas palavras similares que o ato de querer ter mais que os outros será facilmente aprovado, mesmo que gere um imenso prejuízo alheio. Afinal os prejudicados serão quase sempre vistos como "perdedores" que "quiseram perder".

E através da ganância socialmente tolerada que o Capitalismo gera seus grandes estragos diagnosticados nas insolúveis crises que se arrastam por décadas sem que algum corajoso tenha a iniciativa de mudar as coisas.

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